Elite do poder é contraexemplo na pandemia

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A o lado de seu confrade Donald Trump, o presidente Jair Bolsonaro se tornou um símbolo internacional do desprezo pela Ciência no combate ao novo coronavírus. Mas, embora tenha seu quinhão indiscutível de culpa, está longe de ser o responsável solitário pela tragédia que soma mais de 135 mil mortos e mais de 4,4 milhões de infectados. O descaso com a pandemia é flagrante em todo o centro do poder em Brasília.

Nada tão eloquente quanto o próprio retrato da República, com suas autoridades máximas: Bolsonaro; os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Rodrigo Maia, e o presidente do STF, Luiz Fux. Todos receberam diagnóstico positivo para Covid-19. O Supremo, onde 157 já foram infectados, informou que Fux contraiu o vírus provavelmente num “almoço familiar”, evento que, por si só, já contraria as normas sanitárias.

Dos cerca de 50 presentes à posse de Fux, no dia 10, pelo menos seis foram diagnosticados com o vírus nos últimos dias, entre eles a presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministra Maria Cristina Peduzzi; os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luís Felipe Salomão e Antonio Saldanha, e o procurador-geral da República, Augusto Aras.

A presença de Rodrigo Maia no casamento da advogada Anna Carolina Noronha — filha do ministro e ex-presidente do STJ João Otávio Noronha —, uma festa para 150 pessoas, em Brasília, no sábado, levou à preocupação de que a lista de infectados vá aumentar. Máscaras eram oferecidas na entrada, mas poucos as usaram ou respeitaram o distanciamento social no evento. É como se a maioria acreditasse que a doença já esteja controlada. Ou talvez que ser detentor de cargo na alta administração ou — quem sabe? — usar toga confira algum tipo de imunidade.

A realidade é que o Brasil não tem o menor controle da doença, porque testa pouquíssimo. Simplesmente abriu mão de um instrumento essencial para frear o avanço da Covid-19. O Ministério da Saúde chegou a prometer 50 milhões de testes, mas distribuiu pouco mais de 10% (6,5 milhões). Como não se testa, não se identificam os infectados, não se rastreiam seus contatos, e o vírus se espalha. A inércia se soma ao desrespeito às regras mais básicas de prevenção ao contágio, levando a um cenário que favorece a transmissão.

Embora os números sugiram queda nacional nas mortes, a realidade num país continental como o Brasil é mais complexa. Pelos dados do consórcio de veículos de imprensa, nada há a comemorar: ainda registramos uma morte a cada dois minutos. Enquanto a epidemia arrefece em diversos lugares, persistem bolsões suscetíveis ao vírus, onde o contágio pode explodir se as normas não forem respeitadas. São cidades, bairros inteiros ou mesmo edifícios residenciais ou corporativos.

Autoridades deveriam liderar pelo exemplo. Mas o próprio presidente desfilou em carro aberto, no 7 de setembro, cercado de crianças, todos sem máscara. Pelo que se viu nos últimos dias, aqui as autoridades se tornaram contraexemplo. /// Editorial – O Globo

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