Congresso é palco de debate sobre o papel dos índios na sociedade

Manifestação durante o 15º Acampamento Terra Livre, em Brasília. (Foto: Christian Braga/MNI)
Manifestação durante o 15º Acampamento Terra Livre, em Brasília. (Foto: Christian Braga/MNI)
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Eles estão pintados para a guerra, mas não querem superar tribos rivais ou eliminar o homem branco. Os corpos, tingidos com o preto do jenipapo e o vermelho do urucum, carregam pela Esplanada dos Ministérios o simbolismo da luta por demandas tão antigas quanto o próprio Brasil, mas que, no momento, enxergam sob grande risco.

A principal dessas demandas é o domínio sobre seus territórios, vistos numa perspectiva fundiária, cultural e econômica. Há outras, entretanto, que se relacionam com os direitos à saúde e à educação, por exemplo, e que também são encaradas como vitais para os cerca de 900 mil integrantes da população indígena brasileira. Na época do descobrimento, há 519 anos, seus antepassados somavam cerca de três milhões de pessoas, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai). E usufruíam das riquezas naturais, dentro de uma lógica peculiar substituída pelo modelo exploratório dos colonizadores, o que ainda permeia de maneira determinante as relações entre a sociedade dos índios e dos não índios, mesmo quando seus limites não parecem tão claros.

A mais recente mobilização dos povos indígenas começou em abril, o mês do Descobrimento. Durante a 15ª edição do Acampamento Terra Livre, em Brasília, eles buscaram o cenário mais propício para a batalha — o Congresso Nacional — e a arma mais eficaz: a pressão política. Não só participaram de audiências públicas no Senado, como foram recebidos no gabinete do presidente da Casa, Davi Alcolumbre, que prometeu se empenhar por eles.

“O Senado é a casa do povo e diálogo deve ser a palavra de ordem. Os povos originários merecem o nosso respeito e podem contar com o meu apoio para promover a conversa e o entendimento na valorização das causas indígenas”, disse Davi.

Davi Alcolumbre recebe indígenas na presidência do Senado (foto: Marcos Brandão/Senado Federal)
Davi Alcolumbre recebe indígenas na presidência do Senado (foto: Marcos Brandão/Senado Federal)

Após três dias de atividades, os representantes de 225 etnias voltaram para suas aldeias em estado de alerta. O primeiro fruto dessa jornada, obtido no dia 9 de maio, foi colhido na alteração da Medida Provisória (MP) 870/2019 por uma comissão mista do Congresso. A MP da reforma administrativa é considerada uma “ameaça” e “um retrocesso” pelos povos tradicionais, por transferir a Funai do Ministério da Justiça para a pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e a demarcação das terras para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Na esfera do Mapa, a intenção é rever demarcações já realizadas com base em supostas irregularidades e interferências de ONGs, conforme chegou a declarar no início do ano o secretário de Assuntos Fundiários, Luiz Nabhan Garcia.

Depois da comissão especial, a MP 870 seguiu para o plenário da Câmara dos Deputados, onde sofreu na noite de quarta (22) sua segunda derrota, em meio a mais pressão por parte de índios e parlamentares. O texto que vem para o Senado mantém a Funai vinculada ao Ministério da Justiça, e  com o poder de identificar, delimitar, demarcar e registrar as terras indígenas, seguindo o relatório do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) apresentado na comissão mista.

A alteração ainda precisa ser votada pelo Plenário do Senado e sancionada pelo presidente da República. Isso quer dizer que pode ser revertida. Os índios contam com o apertado prazo de validade da MP (a vencer no dia 3 de junho) para que o texto seja ratificado pelos senadores. Se a medida  provisória caducar, haverá uma série de repercussões na estrutura do Poder Executivo consideradas danosas. Daí as incertezas quanto à possibilidade de o Senado alterar a MP e devolvê-la à Câmara a tempo de uma nova votação. A última etapa será a sanção presidencial. Se Bolsonaro aplicar vetos à MP, as supressões terão de ser examinadas posteriormente pelo próprio Congresso. Por precaução, as tribos vão reforçar os estoques de urucum e jenipapo.

— O Brasil tem um deficit. A Constituição estipula prazo de cinco anos para a demarcação, mas já se passaram mais de 30 anos. No primeiro ato de governo, houve o esfacelamento da Funai, o enfraquecimento de uma instituição que é tão importante para os povos indígenas porque garante o processo de demarcação das terras — protestou o cacique Marcos Xukuru, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, durante sessão do Plenário em homenagem ao Abril Indígena, no dia 25.

Os parlamentares presentes mostraram preocupação em impedir o avanço do “desenvolvimentismo” sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. Entendem que produto, renda e lucro não podem ser vistos como um objetivo absoluto e inarredável.

As competências sobre demarcação e licenciamento ambiental de empreendimentos com impacto sobre terras indígenas passaram lamentavelmente para o Ministério da Agricultura, que tem como público-alvo o agronegócio, setor com o qual existem históricos conflitos com os povos originários. Em outras palavras, é colocar a raposa para tomar conta do galinheiro — protestou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Fabiano Contarato (Rede-ES) começou sua homenagem pedindo perdão aos povos indígenas, “em nome da população brasileira”, pelo o que considera agressões aos direitos desse segmento.

— Assim como eu disse ontem lá no acampamento, esse pedido de perdão tinha que vir de todos os políticos, porque vocês são povos originários. O governo violou direitos indígenas com a MP 870 e essa decisão tem estimulado a ocorrência de ataques, invasões articuladas contra terras indígenas, perseguição, expressão de racismo e intolerância aos povos indígenas. O governo ameaça também reduzir o tamanho das terras indígenas já criadas. Nós não podemos admitir isso. Nós não podemos e não vamos admitir isso — advertiu o parlamentar. (Texto continua) /// Agência Senado

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